terça-feira, 6 de julho de 2010

ASSÉDIO MORAL – UMA FACE OBSCURA DO SUJEITO


Mariliana Campelo Viana de Freitas[1]


Os blocos do saber – literário e científico, estão se desintegrando e como afirma o filósofo francês Jean-François Lyotard[2], “o que falta nas sociedades pós-modernas é a legitimação do verdadeiro e do justo”, também declara que depois da revolução industrial e da circulação das imagens e dos sons, é a aceleração vertiginosa dos saberes que modifica nossa atual vida cotidiana.

A racionalidade ainda assume a maior parte do comando nas relações sociais e pessoais do homem civilizado, entretanto, a garantia de justiça buscada na força da razão tem assumido aspectos perversos, principalmente no trabalho. Estamos perdendo a naturalidade em nosso convívio humano. A razão, sem o contraponto da emoção, do sentimento, produz um homem incompleto e infeliz.

A visão parcial do homem e do seu mundo provoca um desequilíbrio em nossas concepções e recria a realidade a partir desta parcialidade, resultando em distorções na condução da verdade, onde apreendemos apenas o que nos favorece, alimentando um ambiente altamente competitivo.

Podemos verificar em nosso cotidiano que para uma palavra dita inapropriadamente ou atitude inconveniente e espontânea, há um desdobramento possível de enquadramento coercitivo, capaz de impedir a fruição das relações em um patamar sereno, leve, de respeito, e propício para a criatividade e crescimento do indivíduo, consequentemente, acaba travando as possibilidades de desenvolvimento saudável seja no trabalho ou nas outras áreas de realização humana.

A partir dessas considerações, não temos dúvida da vitória que representa para a saúde física e mental do trabalhador, o reconhecimento da existência de práticas de caráter humilhante e de subjugação nas relações de trabalho, denominadas como assédio moral ou terror psicológico, possibilitando às vítimas deste expediente, uma saída judicial para o conflito instalado, principalmente o conflito psicológico, que assume proporções cruéis, chegando à destruição da autoestima do assediado, incapacitando-o, inclusive para o desenvolvimento do seu trabalho.

A denúncia se apresenta como a melhor saída para inibir tais humilhações e adoecimento psicológico, apesar de ser uma atitude difícil para o trabalhador pela própria fragilidade resultante desse processo, e ainda pela forma sutil, embora deliberada, utilizada pelo agressor.

O assédio moral se dá a partir de ações sistemáticas, muitas vezes dissimuladas no início, colocam o trabalhador em situações vexatórias com a intenção de baixar a autoestima, desestabilizar emocional e profissionalmente a vítima, suscitando dúvidas quanto à capacidade para a realização das tarefas. Segundo psicanalistas, médicos, psicólogos e estudiosos do assunto, o assédio moral é “uma conduta abusiva, adotada por palavras, gestos ou atitudes, que, intencional e frequentemente, atinge a dignidade e a integridade física e/ou psíquica da vítima, ameaçando seu emprego e degradando o ambiente de trabalho[3]”.

Em artigo intitulado Mobbing – Violência Psicológica no Trabalho[4], a Juíza do Trabalho substituta da 5ª Região (BA), Márcia Novaes, afirma que em não sendo uma ação singular nem um conflito generalizado, o assédio moral não está configurado nos atos praticados pelo empregador relativos ao poder de comando e aqueles com propósito de acompanhar e fiscalizar a execução dos serviços, ainda esclarece que o terror psicológico é uma estratégia, uma ação sistemática, estruturada, repetida e duradoura. Assim, percebemos a ambivalência da configuração do assédio, por abrir um vértice para além da compreensão de que ele ocorre necessariamente na ordem do chefe para o subordinado, ele pode ocorrer em ordem inversa, ou ainda entre iguais.

Ponderamos que os conflitos se situam no espaço intersubjetivo das relações humanas, construído pelas subjetividades dos envolvidos (agressor e vítima), e sua configuração e limites se darão, a partir do momento em que, pelos sintomas e sinais mencionados anteriormente, eleve-se ao nível de consciência individual e coletiva, oportunizando a denúncia dessa prática perversa, independentemente de função ou cargo que esteja exercendo a dupla envolvida.

Voltando a Lyotard, observamos que a queda dos metarrelatos da modernidade forjou o surgimento de um sujeito desbussolado, vazio e hedonista, o neoindividualista, e esse sujeito, que pode ser a vítima ou o agressor no caso de assédio moral, está distante da sua própria realidade em face do mundo recriado a partir do discurso capitalista e suas necessidades consumistas, estimuladas e divulgadas através de estratégias midiáticas.

A competitividade está colocada em todas as situações onde o homem busca se realizar. Os padrões de sucesso e êxito disseminados atualmente estimulam os egos narcisistas a buscarem o imediato prazer, de forma que a sua frustração não está sendo suportada, desdobrando-se em atitudes de reafirmação perante aqueles que lhe são subordinados, ou perante aqueles que representam ameaça ou empecilho à realização dos seus desejos, conscientes ou não, de forma que os tratamentos verbais depreciativos, atitudes de intimidação extrema e comentários maldosos podem ser elementos também utilizados para traduzir o estado primitivo do sujeito na prática cruel do assédio.


[1] Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), pós-graduada em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade Salgado Oliveira (UNIVERSO) e Psicanalista em formação pelo Centro de Estudos Especializados Psicanalíticos (CEEP).

[2] LYOTARD, Jean-François. A condição Pós-Moderna, tradução de Ricardo Corrêa Barbosa; posfácio: Silvano Santiago, 6ª Ed., Rio de Janeiro: José Olimpio, 2000.

[3]Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Cartilha sobre Assédio Moral no Trabalho Reaja e Denuncie. Brasília-DF, 2007.

[4] Citado na Cartilha sobre Assédio Moral no Trabalho, editada pela CNTS, em 2007.

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